A China está desafiando cada vez mais a ordem do Leste Asiático que foi formada após a Segunda Guerra Mundial. Além da Península Coreana e Taiwan, a China começou a levantar questões sobre a posição de Okinawa, entre outras questões. A ordem internacional do pós-guerra no Leste Asiático surgiu por meio de uma série de tratados antes e depois da Guerra da Coreia na década de 1950, com ajustes na ordem da década de 1950 sendo feitos para acomodar o tratamento de Taiwan (a República da China, ou ROC) na década de 1970, preparando o cenário para o status quo atual. Ao desafiar essa ordem, a China está tentando mudar o cenário de segurança militar, como evidenciado por suas ações militares em torno do Estreito de Taiwan, enquanto ao mesmo tempo implanta uma nova retórica em casa e no exterior para levantar dúvidas sobre a ordem existente. Parte disso é uma negação do “Sistema de São Francisco”.
O Tratado de Paz de São Francisco foi um tratado de paz com o Japão, o país derrotado, que foi assinado em 8 de setembro de 1951 em meio à Guerra da Coreia. (O tratado entrou em vigor em 28 de abril de 1952.) Nem a República Popular da China (RPC) nem a ROC foram convidadas para a conferência, com o Japão assinando um tratado de paz separado com a ROC em 28 de abril de 1952, o Tratado de Paz entre a República da China e o Japão. Imediatamente após a conclusão do Tratado de Paz de São Francisco, o Tratado de Segurança Japão-EUA foi concluído entre o Japão e os Estados Unidos. Pode-se argumentar que este tratado de paz e o Tratado de Segurança Japão-EUA definiram o status do Japão no pós-guerra. Na época desses tratados, os Estados Unidos também concluíram tratados de segurança com a Coreia do Sul, ROC (Taiwan), Filipinas, Austrália e outros. Eles se tornaram a base do regime de segurança dos EUA no pós-guerra no Pacífico Ocidental.
A China há muito tempo sinaliza que não dá importância ao Tratado de São Francisco. Em certo sentido, isso é razoável, já que a China não foi signatária do tratado. Afinal, a China sempre atribuiu importância à Declaração do Cairo e à Declaração de Potsdam – e a China foi parte de ambas as declarações. Já em 15 de agosto de 1951, a China emitiu uma declaração sobre a Conferência de Paz de São Francisco, em nome do Ministro das Relações Exteriores Zhou Enlai. Nessa declaração, Zhou especificou que “A RPC foi excluída de sua preparação, elaboração e assinatura, e de suas decisões sobre o território e os direitos soberanos da China – incluindo a soberania sobre Taiwan – são, portanto, ilegais e inválidas”.
Essas reservas sobre a Conferência de Paz de São Francisco e o Tratado de Paz foram levantadas no contexto da Guerra da Coreia. No entanto, agora que a questão de Taiwan se tornou um grande ponto de discórdia entre os Estados Unidos e a China, especialmente nesta década, a China começou a reenfatizar sua declaração de 1951. Isso é especialmente evidente em um documento intitulado “A Questão de Taiwan e a Reunificação da China na Nova Era” que foi emitido em agosto de 2022. É uma citação longa, mas vale a pena citar a Nota 2 neste documento:
Entre 4 e 8 de setembro de 1951, os Estados Unidos reuniram vários países em São Francisco para o que eles descreveram como a Conferência de Paz de São Francisco. Nem a RPC nem a União Soviética receberam um convite. O tratado assinado nesta reunião, comumente conhecido como Tratado de São Francisco, incluía um artigo sob o qual o Japão renunciava a todos os direitos, títulos e reivindicações sobre Taiwan e as Ilhas Penghu. Este tratado contrariava as disposições da Declaração das Nações Unidas assinada por 26 países – incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a União Soviética e a China – em 1942, os princípios fundamentais da Carta da ONU e as normas básicas do direito internacional. A RPC foi excluída de sua preparação, elaboração e assinatura, e suas decisões sobre o território e os direitos soberanos da China – incluindo a soberania sobre Taiwan – são, portanto, ilegais e inválidas. O governo chinês sempre se recusou a reconhecer o Tratado de São Francisco e nunca se desviou dessa posição desde o início. Outros países, incluindo a União Soviética, Polônia, Tchecoslováquia, República Popular Democrática da Coreia, Mongólia e Vietnã, também se recusaram a reconhecer a autoridade do documento.
Essas reservas estão sendo expressas não apenas nesses documentos governamentais, mas também por pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS) e em outros lugares. As reservas sobre o Tratado de Paz de São Francisco não estão relacionadas apenas à questão do status de Taiwan. Elas também têm muito a ver com questões relativas às Ilhas Spratly no Mar da China Meridional e Okinawa. A China pode estar tentando voltar no tempo para a Declaração do Cairo e a Declaração de Potsdam, levantando questões sobre o Tratado de Paz de São Francisco, que desempenhou um papel importante na reintegração da posição do Japão derrotado na comunidade internacional. Isso torna importante continuar a prestar atenção aos pronunciamentos emanados da China sobre esse discurso e história.