X de Musk será reintegrado no Brasil após cumprir exigências da Suprema Corte


Um anúncio da mídia Valor mostra uma foto de Elon Musk em um shopping center em Brasília, Brasil, no dia 2 de setembro.

SÃO PAULO – O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, autorizou nesta terça-feira a restauração do serviço da plataforma de mídia social X no Brasil, mais de um mês após seu desligamento nacional, de acordo com um documento judicial que foi tornado público.

O X de Elon Musk foi bloqueado em 30 de agosto no país altamente on-line de 213 milhões de pessoas – e um dos maiores mercados do X, com estimativas de sua base de usuários variando de 20 a 40 milhões. De Moraes ordenou o fechamento após uma disputa de meses com Musk sobre liberdade de expressão, contas de extrema direita e desinformação. Musk menosprezou De Moraes, chamando-o de autoritário e censor, embora as suas decisões, incluindo a suspensão de X, tenham sido repetidamente apoiadas pelos seus pares.

Apesar da bravata pública de Musk, X acabou cumprindo todas as exigências de Moraes. Incluíram o bloqueio de determinadas contas da plataforma, o pagamento de multas pendentes e a nomeação de um representante legal no país. O não cumprimento deste último desencadeou a suspensão.

“A retomada das atividades de (X) em território nacional estava condicionada, unicamente, ao integral cumprimento das leis brasileiras e à observância absoluta das decisões do Poder Judiciário, em respeito à soberania nacional”, afirmou de Moraes no documento judicial.

X não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

Apenas dois dias antes da proibição, em 28 de agosto, X disse que estava removendo todo o seu pessoal restante no Brasil “com efeito imediato”, dizendo que de Moraes havia ameaçado prender sua representante legal no país, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, se X não cumpriu ordens de bloqueio de contas.

A lei brasileira exige que as empresas estrangeiras tenham um representante legal local para receber notificações de decisões judiciais e tomar rapidamente qualquer ação necessária – particularmente, no caso de X, a retirada de contas. Conceição foi nomeada representante legal de X pela primeira vez em abril e renunciou quatro meses depois. A empresa a nomeou para o mesmo cargo em 20 de setembro, de acordo com registro público na Junta Comercial de São Paulo.

Em um aparente esforço para proteger Conceição de possíveis violações por parte de X – e do risco de prisão – uma cláusula foi escrita no novo acordo de representação de Conceição de que ela deve seguir a lei brasileira e as decisões judiciais, e que qualquer responsabilidade legal que ela assuma em nome de X requer instrução prévia da empresa por escrito, de acordo com o arquivamento da empresa.

Conceição trabalha para a BR4Business, uma empresa de serviços empresariais. Seu site de duas páginas não fornece informações sobre suas operações ou pessoal. “Algo ótimo está a caminho”, diz o topo da página principal do site em inglês. Sua outra página é uma extensa política de privacidade.

Em três de seus escritórios listados em São Paulo, recepcionistas disseram à AP que os escritórios da empresa estão vazios e os funcionários trabalham remotamente. Nem Conceição nem BR4Business retornaram vários telefonemas e e-mails da AP.

Não há nada de ilegal ou suspeito em usar uma empresa como a BR4Business para representação legal, mas isso mostra que X está fazendo o mínimo para operar no país, disse Fabio de Sá e Silva, advogado e professor associado de Estudos Internacionais e Brasileiros da a Universidade de Oklahoma.

“Isso não demonstra uma intenção de realmente se envolver com o país. Veja o Meta, por exemplo, e o Google. Eles têm um escritório, um departamento de relações governamentais, justamente para interagir com o poder público e discutir as políticas regulatórias do Brasil relativas aos seus negócios”, acrescentou Silva.

Na verdade, é raro que uma empresa estabelecida e influente como a X tenha apenas um representante legal, disse Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, um think tank com sede no Rio. E isso pode ser problemático daqui para frente.

“A preocupação agora é o que vem a seguir e como o X, uma vez de volta à operação, conseguirá atender às demandas do mercado e das autoridades locais sem criar novas tensões”, afirmou.

Alguns usuários do X brasileiro migraram para outras plataformas, como Meta’s Threads e, principalmente, Bluesky. Não está claro quantos deles retornarão ao X. Em comunicado à AP, a Bluesky informou que agora tem 10,6 milhões de usuários e continua vendo um forte crescimento no Brasil. A Bluesky nomeou um representante legal no país sul-americano.

O Brasil não foi o primeiro país a proibir X – longe disso – mas uma medida tão drástica tem sido geralmente limitada a regimes autoritários. A plataforma e a sua antiga encarnação, o Twitter, foram banidas na Rússia, China, Irão, Myanmar, Coreia do Norte, Venezuela e Turquemenistão. Outros países, como o Paquistão, a Turquia e o Egipto, também já suspenderam temporariamente o X, geralmente para reprimir a dissidência e a agitação.

A disputa de X com o Brasil tem alguns paralelos com as negociações da empresa com o governo indiano há três anos, quando ainda se chamava Twitter e antes de Musk comprá-la por US$ 44 bilhões. Em 2021, a Índia ameaçou prender funcionários do Twitter (bem como do Facebook e do WhatsApp da Meta), por não atenderem aos pedidos do governo para retirar do ar postagens relacionadas aos protestos de agricultores que abalaram o país.

A decisão de Musk de reverter o curso no Brasil depois de criticar publicamente De Moraes não é surpreendente, disse Matteo Ceurvels, analista da empresa de pesquisa Emarketer para a América Latina e Espanha.

“A medida foi pragmática, provavelmente motivada pelas consequências económicas da perda de acesso a milhões de utilizadores no seu terceiro maior mercado mundial, juntamente com os milhões de dólares em receitas de publicidade associadas”, disse Ceurvels. “Embora X possa não ser uma prioridade para a maioria dos anunciantes no Brasil, a plataforma precisa mais deles do que eles dela.”